sexta-feira, 27 de março de 2015

O Verso e o Ritmo

Postagem Original - Março de 2008.

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Adiante passarei para o estudo do Verso em si. Alguns possuem nomes específicos na Ciência Poética. São eles:

Verso MancoTambém conhecido como Verso de Pé-Quebrado, é aquele que mostra diferente métrica numa estrofe com versos regulares, ou diferente Ritmo Poético na estrofe de qualquer poema, Regular ou Irregular. Exemplos:

QUAN/ do/ VIM/ pa/ RA-ES/ta/ TER/ ra                - 1-3-5-7
EU/ che/ GUEI/ só/ SEN/do-um/ VER/ so               - 1-3-5-7
VI/ tam/ BÉM/ que/ no/ ER/ ro-al/ guém/ BER/ ra  - 1-3-6-9
E/ en/ TÃO/ eu/ DES/ con/ VER/ so                         - 1-3-5-7

Nessa estrofe regular, o terceiro verso difere dos demais em métrica e ritmo, logo, é Manco.

Chamo a atenção para um tipo de Verso Manco Proposital, que é aquele usado pelo poeta com a finalidade de chamar a atenção do leitor para determinado texto dentro do contexto, como fez Geraldo Vandré com a métrica da música, Disparada:

Pre/ pa/ re-o/ seu/ co/ ra/ ção              - 7
Pras/ coi/ sas/ que-eu/ vou/ con/ tar    - 7
Eu/ ve/ nho/ lá/ do/ ser/ tão                 - 7
E/ pos/ so/ não/ lhe-a/ gra/ dar            - 7

A/ pren/ di/ a/ di/ zer/ não                   - 7
Ver/ a/ mor/ te/ sem/ cho/ rar              - 7
E-a/ mor/ te-o/ des/ ti/ no,/ tu/ do        - 7
Es/ ta/ va/ fo/ ra/ de/ lu/ gar                 - 8
Eu/ vi/ vo/ pra/ con/ ser/ tar                 - 7


Todos os versos da música apresentam 7 sílabas, com exceção desse oitavo, que apresenta 8. Basta prestar atenção no texto dos versos anterior e posterior ao Manco:

Tudo "estava fora de lugar", incluindo o verso reclamante, e o poeta "Vive pra consertar", inclusive a métrica falha, logo em seguida. Isso acontece muito nos poemas da MPB, onde o poeta abre mão da regularidade do poema para dar um recado subliminar de reforço no texto. Antes de sair bradando que tal poeta "Mancou" tal verso, convém observar o texto dos demais versos que o cercam.

Verso Anacíclico, Palíndromo ou Sotádico.
Conhecido originalmente por esses três nomes, tal verso permite que a leitura dos caracteres alfabéticos ocorra da esquerda para a direita ou vice-versa. 

O mito até o poeta ótimo
Anima amada dama à mina

Verso Corrente - Normalmente ocorre em estrofes, para que o efeito de inversão do sentido de texto seja notado. Escreve-se uma sequência de versos, que tenham textos autônomos, de modo a poder-se dispô-los em ordens múltiplas e obter-se significados outros por novas estrofes. A ordem mais usada é a da leitura de cima pra baixo seguida por outra em ordem inversa. Assim:

Somente chorando
Ao sonhar com você 
O mundo me viu
Acordar cantando

Verso RopálicoComposto por vocábulos em ordem crescente ou decrescente de sílabas. Por exemplo, se um Ropálico tiver dez sílabas, obrigatoriamente terá de ser composto por vocábulos com uma, duas, três e quatro sílabas ordenadamente, ou pelo inverso: 

O Bra-sil so-men-te re-tor-na-rá (1-2-3-4)
Fu-tu-ra-men-te - 5
To-tal-men-te vol-ta-do pa-ra cá (4-3-2-1)

Verso IamboEm homenagem aos Pés Iambos (Jambos), a poesia satírica francesa criou tal verso, que consiste em combinar versos Jâmbicos de 12 sílabas (6 pés), com outros de 8 sílabas (4 pés) em estrofes quadras, sextilhas ou oitavas:

Vo/tei/ mais/ de-u/ma/ vez/ a/té/ per/der/ a/ fé - 2-4-6-8-10-12
Na/ ur/na/ fal/sa/ da/ ra/zão                              - 2-4-6-8
Que/ vo/ta/ em/ qual/quer/ ma/né                     - 2-4-6-8
A/pe/nas/ pra/ sa/ir/ em/ ma/ni/fes/ta/ção         - 2-4-6-8-10-12

Com o passar dos anos, a lógica relação entre a Métrica e o Ritmo, vistos no Classicismo, acabou fornecendo uma evolutiva escala padrão dos versos, que passaram a ter nomes próprios.

À primeira vista, tais nomes mereceriam pouco destaque, já que o estudo até agora permitiria uma boa análise poética das composições. Ocorre que na MPB, a exemplo do que já mostrei nos versos Manco e Branco, também o fez com os seus nomes próprios para embutir alguns "recadinhos subliminares". São eles:

Verso Monossílabo e Verso Dissílabo - Possuindo respectivas uma (mono) e duas (di) sílabas, são usados com pouca freqüência, pois visam, na maioria das vezes, apenas a obter efeitos sonoros, quando combinados com versos longos. Exemplos:

Sou - 1
Escravo desta versificação
Que trata do poeta-em transição
Com seus versos a bailar...
    
    
Então - 2
Eu volto a postar na internet
Depois de afanarem meu confete
Ao meu Sapiens encerrar...
    
Verso Trissílabo - Contendo três sílabas (tri), combina bem com os versos de 7 e/ou 10 sílabas:

Eu/ nem/ sei - 3
Se/ pi/sei/ só/ nos/ ca/los/ de/ fu/la/no                     - 10
Ou/ nos/ ca/los/ tam/bém/ dos/ seus/ "her/ma/nos" - 10
An/ces/trais/ dou/tra/ na/ção...                                 - 7

Verso Tetrassílabo - Conhecido pelo nome Quebrado de Redondilha Maior, possui quatro sílabas (tetra) e combina com os versos de sete sílabas:

A/ ba/ca/tei/ro                  - 4
A/ca/ta/re/mos/ teu/ a/to  - 7
(Refazenda - Gilberto Gil)

Para entender bem o que um poema de letra de música contém no texto, é sempre bom prestar atenção no que os instrumentos musicais que o acompanham podem estar "sugerindo" na forma subliminar. 

Nessa execução da música, Refazenda, Gilberto Gil, há um trabalho simultâneo da flauta, emitindo os mesmos acordes toda vez em que é cantado o seguinte trecho:

Refazendo tudo
Refazenda
Refazenda toda
Guariroba...

E os acordes tocados se referem a uma outra música, de Rita Lee, num trecho que diz:

"Nada melhor do que não fazer nada"

Numa jogada semelhante à usada pelo Vandré lá na Disparada, colocada no princípio da postagem, quando tratei do Verso Manco.

Verso Pentassílabo - Mais conhecido por Redondilha Menor, possui cinco sílabas (hepta) e combina com versos de oito:

E/ diga pro mundo                 - 2-5
Que-o Sapiens agora voltou - 2-5-8

Verso Hexassílabo - Conhecido pelo nome de Heroico Quebrado, possui seis sílabas (hexa) e combina com Decassílabos Heroicos (10 sílabas com acento na sexta) e é muito usado pelos poetas que busquem a um duplo sentido de texto:

Você se mostra-herói                            - 6
Mas nos corrói por trásos ancestrais - 6-10

Verso Heptassílabo - Conhecido por Redondilha Maior, possui sete sílabas (hepta) e é considerado o verso mais popular:

Sete sílabas que dançam -1-3-5-7
No poeta popular            -1-3-5-7

Verso Octossílabo - Possui oito sílabas (octo), e quando tem acentuação na quarta sílaba é chamado de Sáfico Quebrado. Se possuir cadência nas sílabas 2-5-8 receberá o nome de Quebrado de Arte Maior:

Mas eu voltei com esta-escola - 4-8      (Sáfico Quebrado)
    
Sabendo da minha missão - 2-5-8     (Quebrado de Arte Maior)

Verso Eneassílabo - Possui nove sílabas (enea), e quando acentuado nas sílabas 3-6-9 recebe o nome de Gregoriano Anapéstico (3 pés Anapestos), muito usado nos hinos:

Sal/ve/ lin/do/ pen/dão/ da-es/pe/ran/ça - 3-6-9
Sal/ve/ sím/bo/lo-au/gus/to/ da/ paz      - 3-6-9

nota: Quando Olavo Bilac escreveu a letra do Hino à Bandeira, o fez da forma que registrei acima, e assim era cantado antigamente, todavia, sabe-se lá em que época, algum infeliz começou a cantar o segundo verso desta forma:

"Salve símbolô augusto da paz" - 3-5-7-9; a coisa pegou e à partir de então "emprestamos" um verso manco para o poema do Bilac.

Verso Decassílabo - Possui dez sílabas (deca) e apresenta 4 cadências fundamentais:

a) Decassílabo Heroico - Com forte acentuação interna na sexta sílaba, é o tipo de verso obrigatório nas regras de construção dos sonetos:

E/ se-ao/ lu/ar/ que-a/tu/a/ des/vai/ra/do     - 6-10
Vem/-se-u/nir/ u/ma/ mú/si/ca/ qual/quer   - 6-10 


b) Decassílabo Sáfico - Cadência interna forte nas sílabas 4 e 8:

Minha emoção tem a medida certa - 4-8-10
Numa deserta-educação aflita...      - 4-8-10

c) Decassílabo Gaita Galega - Acentuação interna forte nas sílabas 3 ou 4 e 7:

Que/ só/ co/gi/ta/ e/ se/ des/con/cer/ta           - 4-7-10
A/ber/ta-à-a/ção/ que/ a/ ri/ma/ lhe/ di/ta...    - 4-7-10

d) Decassílabo Arte Maior - Embora tal nome, Arte Maior, sirva também para caracterizar os versos que tenham mais de 7 sílabas, já que os com medida inferior são conhecidos como Arte Menor, tais decassílabos devem possuir cadência interna 2-5-8.

Existem dúvidas quanto à permissão de cadenciá-lo opcionalmente na sétima sílaba, ao invés da oitava. Algumas correntes poéticas aceitaram tal opção, visto que o equilíbrio métrico não seria quebrado, pois teríamos nos pés as sequências: jambo-anapesto-anapesto-jambo; ou,  jambo-anapesto-jambo-anapesto.

Correntes mais tradicionalistas, responsáveis pela reabilitação desses decassílabos, na época em desuso há muito, não admitiam tal alteração na cadência interna, dizendo que a reabilitação da mesma só fora possível pela força que os Hendecassílabos, a serem vistos a seguir, lhes forneciam, e estavam na moda da época. 

Deixando de lado essa porfia entre Simbolistas e Modernistas, vamos ao exemplo:

Da/ flor/ mais/ bo/ni/ta-à/ fu/gaz/ bi/so/nha              - 2-5-8-10
Da/ tal/ sem/ ver/go/nha-à/ mais/ be/la-or/quí/dea... - 2-5-8-10
    
Verso Hendecassílabo - Possui onze sílabas (hendeca) e quatro cadências principais:

a) Hendecassílabo Arte Maior - Cadência interna 2-5-8:

Que/ só/ se-em/be/le/za-e/ me-es/pe/ra/ tão/ lin/da - 2-5-8-11
A/in/da/ que/ fu/ja-e/ de/pois/ me-es/que/ça            - 2-5-8-11

b) Hendecassílabo Guerra Junqueiro - defendeu a obrigatoriedade de cadência interna somente na quinta sílaba. As demais tonicidades, a gosto do poeta.

Tal/ qual/ cer/to/ Guer/ra,/ Jun/quei/ro-e/ fol/ga/do  - 5-11
Cra/va/do/ na/ quin/ta/ do/ me/io/ do/ ver/so...         - 5-11

c) Hendecassílabo Hermes Fontes - tentou novas cadências internas e teve êxito com a 3-7:

No entanto-aqui brotaram novas Fontes     - 3-7-11
Noutras pontes de um Hermes brasileiro... - 3-7-11

d) Hedecassílabo O Que Será? -Esta quarta cadência é especial, pois nunca a tinha visto antes. Analisando a uma das composições do Chico Buarque, e acostumado a não vê-lo fugir das cadências padrão, me surpreendi com uma cadência diferente e repetitiva em vários versos, foi quando, pensando alto, me perguntei: - O que será isso?

Acabara de pronunciar o nome da composição que analisava: O Que Será, com cadência interna 2-6-8 ou 9 em alguns versos:

Que/ an/dam/ sus/pi/ran/do/ pe/las/ al/co/vas           - 2-6-8-11
Que/ an/dam/ sus/sur/ran/do-em/ ver/sos/ e/ tro/vas - 2-6-8-11
Que/ an/dam/ com/bi/nan/do/ no/ breu/ das/ to/cas   - 2-6-9-11
Que/ gri/tam/ nos/ mer/ca/dos/ que/ com/ cer/te/za   - 2-6-9-11


O verso longo pode ser separado em duas metades, que recebem o nome de Hemistíquios. Ao ponto de separação dessas duas partes dá-se o nome de Cesura. Tais conceitos são necessários para o estudo dos versos seguintes.
    
Verso Dodecassílabo - Em suas doze sílabas (dodeca), esse verso pode apresentar três cadências mais conhecidas:

a) Verso Alexandrino Clássico - De grande tendência anapéstica (pé Anapesto), quando Agudo (terminado em oxítona), devido à fortíssima cadência 3-6-9-12, o que lhe dá também o nome de Tetrâmetro (4 metros), tal verso exige a cesura imediata após a sexta sílaba, posicionada preferencialmente em vocábulo oxítono. 

Caso esteja situada num vocábulo paroxítono, exige-se que termine em vogal, seguida por outra sílaba átona, também começada por vogal ou h. Este Alexandrino não admite cesura em vocábulo proparoxítono. 

Se havendo-o que-houver // não souber explicar  - cesura padrão
O meu verso me sal // va-apesar dos pesares - cesura paroxt.+vogal 
Pois eu sinto que ne // le-have um lugar    - cesura paroxítona + h
No oculto habitat // entre-os bares ou lares - cesura padrão 

Apesar da difícil construção, o Alexandrino Clássico é um verso muito bonito e jamais deve ser manchado com tentativas amadoras, que queiram a todo custo tornarem-se oficiais. A Poesia Portuguesa não merece que o afrontemos com "achismos".

Se for para trabalhar com um garboso Alexandrino, sugiro que comece pelo tipo a seguir.

b) Verso Alexandrino Romântico - Apresenta cadência 4-8-12, conhecido também pelo nome de Trímetros (3 Metros), tais Alexandrinos, menos rígidos ou mais tolerantes, são os preferidos dos poetas da MPB:

Não/ sei/ por/ qual/ ra/zão/ eu/ fi/co/ tão/ ro/mân/ti/co   -4-8-12
Quan/do-o/ seu/ cân/ti/co/ me/ tor/na/ só/ dal/tô/ni/co?  -4-8-12


Dos poetas brasileiros, Olavo Bilac foi quem ganhou maior fama com esse verso. Embora o seu próprio nome seja um Alexandrino Romântico, a pausa que o nome Martins exige, pela força da tonicidade é quase uma Cesura:

O/la/vo/ Brás/ Mar/tins // dos/ Gui/ma/rães/ Bi/lac    - 4-8-12

c) Verso Alexandrino Vitor Hugo - Embora nesses versos as cadências preferidas pelos nossos poetas sejam essas duas primeiras, Vitor Hugo desenvolveu uma outra, 2-6-8-12, utilizada algumas vezes por aqui:

Po/rém,/ não// vi/são/ sa/di/a/ sem/ a/ flor                 - 2-6-8-12
Dador/ na/ in/ver/são/ do-a/ mor/ em/ ru/bro-ou/ ver/de - 2-6-8-12

Verso Tridecassílabo - Também conhecido pelo nome, Alexandrino Espanhol, possui treze sílabas (trideca) e trata-se de uma versão espanhola do original Alexandrino Francês (clássico), só que apresentando a obrigatoriedade única de cadência interna na sexta ou sétima sílaba. Dos nossos poetas, Castro Alves foi o que mais o utilizou:

Por/ ma/ior/ que/ se/ja-a/ fol/ga/ do/ po/e/ta-ur/gen/te - 7-13
A/ ca/dên/cia/ do/ ver/so/ sol/ta/ no/ tem/po-e/ vol/ta  - 6-13

    
Verso Bárbaro - Possui catorze sílabas e representa o limite entre a Poesia e a Prosa. A grosso modo, é a soma de dois Redondilhas Maiores, como Hemistíquios, mas ao contrário do Alexandrino Clássico, não exige regra quanto à cesura:

O/ ra/paz/ fi/cou/ com/ pe/na/ do/ se/nhor/ do-ar/ma/zém      - 7-14
Que/ que/ri/a-um/ ca/va/lhei/ro/ pa/ra-o/ seu/ pró/prio/ bem  - 7-14

Os versos Bárbaros, desenvolvidos e oficializados pela poesia italiana, foram através dos anos se fortalecendo nos meios intelectuais, gerando discordâncias na Poesia Latina e abrindo as portas para a Versificação Irregular, já tentada desde o Trovadorismo, na época com o nome de Versificação Acentual Trovadoresca, que valorizava muito mais o Ritmo Poético do que a Métrica nos versos. 

Após o Parnasianismo, o limite das catorze sílabas poéticas, que separavam a Poesia da Prosa, também começou a ser desconsiderado, prevalecendo somente o Ritmo Poético equilibrado, ainda que em longos versos, como estes de Geraldo Vandré e Fernando Lona, vitoriosos no Festival da Canção Popular em 1965: Porta-Estandarte.


Olha que a vida tão linda se perde em tristezas assim         - 16
Desce o teu rancho cantando essa tua esperança sem fim   - 16
Deixa que a tua certeza se faça do povo a canção               - 16
Pra que teu povo cantando teu canto ele não seja em vão   - 16

Eu vou levando a minha vida enfim...


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