quarta-feira, 25 de março de 2015

As Rimas

Postagem original editada em Março de 2008.

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Jogada no quintal
A enxuta concha guarda o mar
No seu estojo 


 - Cadê as Rimas?

- Vai lendo que você descobre!

Para que as regras da Ciência Poética pudessem ganhar continuidade lógica, surgiu a Rima, como elemento fundamental na ligação dos itens, tanto no aspecto da Estrofação, quanto no das Construções Poéticas de Forma Fixa, como o Soneto Italiano, por exemplo, cujos Tercetos têm que apresentar interligação por igual
rima, em pelo menos um verso de cada.

Em linhas gerais, Rima é a semelhança sonora entre duas palavras, mas convém lembrar que o termo, semelhança, surgiu no conceito recentemente, pois em origem a rima exigia Identidade de sons nas palavras, desde as vogais tônicas.

Quando um verso não encontra parentesco sonoro com os demais próximos recebe o nome de Verso Branco.

Os poetas também usam dele como estratégia de texto. Caso queira negar, ou isolar uma ideia num contexto, normalmente o faz tratando de si na primeira pessoa do singular. Vejam o exemplo na canção, Um Chorinho:

…Quem me dera
Ter um choro de-alto porte
Pra cantar co´a voz bem forte-
-E-anunciar a luz do dia
Mas quem sou eu
Pra cantar alto assim na praça
Se vem dia, dia passa-
-E-a praça fica mais vazia…

Notem que os dois únicos versos Brancos (1 e 5) são os que se referiram mais diretamente a ele, pois os demais estão todos rimados.

Muitos poetas colocam as ideias próprias mais no interior da Construção Poética  das composições do que nas entrevistas, por exemplo.

A Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo consagrou o surgimento de algo conhecido por Verso Livre, porém todo cheio de proibições e dentre elas o uso da rima, sob o pretexto Dela inibir a objetividade dos textos nos versos Livres, que também “deveriam” encerrar o amplo sentido do texto escorado apenas num equilíbrio semântico.

No fundo, o que o Modernismo de 22 propunha era um confronto com os fundamentos do Parnasianismo Brasileiro, que o antecedera no final do século anterior, cuja ideia de Liberdade se voltava ao Poeta Livre e não ao verso.

O Poeta Livre poderia escolher com que tipo de versificação iria trabalhar. Regular ou Irregular,  contanto que o poema apresentasse lucidez métrica e rítmica, obedecendo ou não aos fundamentos da Ciência Poética.

Estava mais do que clara a intenção parnasiana de se buscar novas soluções para a própria Ciência Poética, mas os modernistas não achavam isso. Imaginem comigo:

 - Tendo no nosso alfabeto um monte de consoantes e somente cinco vogais, indispensáveis à confecção de qualquer vocábulo do idioma, o que seria mais limitador ao pensamento, evitar as semelhanças sonoras ou permiti-las?

Sendo Liberdade e Regra termos antônimos, como imaginar qualquer Lógica sensata na proposta modernista, quanto às Rimas?

Em tal semana literária se argumentou também que a rima não pode ser tomada como fundamento poético, por ter surgido recentemente, em meados do Trovadorismo. Esse argumento foi um mal dado "Chute de primeira".

A saber, o Trovadorismo vogou entre os séculos XII e XIII. Então, como explicar a estes versos de Ênio, que viveu entre 239 e 169 A.C.?

Haec omnia vidi inflamari
Priamo vi vitam evitari
Iovis aram sanguine turpari
  
Caelum nitescere arbores frondescere
Vites laetifiese pampinis pubescere
Rami bacarum ubertate incurvescere

O romano Ênio aprendeu esse truque com os poetas árabes, que já ensaiavam rimas desde a época em que eram simplesmente mesopotâmicos, bem antes do Maomé com o seu moderníssimo Alcorão oitocentos anos após!

Interpretar rimas exige quatro observações fundamentais:

1 - Qualidade Sonora das Rimas:

a) Rima Consoante ou Perfeita - É a que apresenta identidade de sons. É a rima original.

b) Rima Toante ou Imperfeita - Sons semelhantes com identidade nas vogais tônicas.

     Só quero que voltes logo
     Para o nosso jogo
     De samba, avenida, bloco
     Carnaval e fogo 

Versos 2 e 4, Rima Consoante - versos 1 e 3, Rima Toante.

2 - Timbre das Rimas

O conceito do Timbre nas Rimas é usado também para qualificar os versos em Agudos, Graves ou Dáctilos; quanto às tonicidades das palavras que os findam, independente de rimarem ou não.

a) Rimas Agudas - Situadas em vocábulos oxítonos:

Eu vou até o fim
No que é meu
Para arrancar enfim
O que é seu…

b) Rimas Graves - Situadas nos vocábulos paroxítonos:

Ela vai cuidar do nto
E eu vou fazer for tna
Somos dois num mesmo tto
Sem que a vida enfim nos na

c) Rimas Dáctilas ou Rimas Esdrúxulas - Presentes nos vocábulos proparoxítonos:

Penso nelas como flores cá li das
Neles como lodo mór bi do
Elas como musas pá li das
Eles como um todo sór di do

3 - Quanto à Posição no Verso:

Rimas Internas - Presentes no mesmo verso.

a) Rima Leonina - Rima Interna que pode envolver início, centro e fim de verso entre si. Deu origem ao Verso Leonino:

A minha paz sempre fugaz

b) Rima De Eco - Rima Interna que envolve idênticas sílabas tônicas em palavras seguidas. Deu origem ao Verso Ecoico:

Ah, se fosses como doces...

Rimas Externas - Pertencentes a versos distintos.

a) Rimas de Extremidades - Ocorrem nas pontas dos versos:

- Final de Verso: Todos os exemplos dados em Rimas Agudas, Graves ou Dáctilas.

- Princípio de Verso:

Sonhar com a vida mais fácil
Flertar com um laço incerto...

Rimas Paralelas - A mais popular. Num grupo de quatro, rimam os finais de versos 1 com 2 e 3 com 4:

É muita pobreza
Na sua tristeza
Que é popular
No seu próprio lar

Rimas Alternadas - Consideradas mais nobres, num mesmo grupo de 4 versos, rimam 1 com 3 e 2 com 4:

Agora ficou mais nobre
A rima do triste verso
Pois a paralela e pobre
Mudou prum lado reverso

Rimas Opostas - Consideradas "Rainhas da Colocação", num grupo de 4 versos rimam 1 com 4 e 2 com 3:

És a rainha sonora
Que embora goste da plebe 
Na nobre arte concebe
O som presente no agora


Rimais Centrais - Os versos rimam pelos centros:

Sei que aqui passaram coisas imorais
Sei que aqui roubaram nossos ancestrais
Sei que aqui reinaram em frouxas capitais...

Rimas Cruzadas: Envolvem finais ou princípios de versos rimando com com Centro ou Extremidades dos outros.

a) Rima Cruzada Simples - Final de verso anterior com centro do verso seguinte:

Eu sei que a rima está por perto
No verso incerto que me domina

b) Rima Cruzada de Eco - Final de verso anterior com início do posterior:

Que faz a minha razão
ão do verso insensato

4 - Quanto às Categorias Gramatical e Fônica:

Rima Pobre - Envolve palavras de mesma categoria gramatical e que tenham sons vulgares.

Sei que você é fingida
Se mostra compadecida
Mas logo vai festejar
Na mesa do outro bar

Rima Vulgar - Envolve palavras com categorias gramaticais diferentes, mas que tenham sons vulgares:

Vive falando do mar
Das portas da emoção
Sem querer enfim amar
Abrindo o seu coração

Rima Boa - Envolve palavras com mesma categoria gramatical, mas que não tenham sons vulgares:

Embora tu não partiste
Pra longe do teu detento
Meu coração como viste
Só definhou lazarento

Rima Rica - Envolve palavras com categorias gramaticais diferentes e que não tenham sons vulgares:

Eu já fui um protestante
E um espírita depois
Mas a fé não garante
Qual foi o melhor dos dois

Rima Rara - envolve palavras que tenham sonâncias de raríssimo uso, independente das categorias gramaticais. O quilate da rima é proporcional à quantidade de letras idênticas que precedam à vogal tônica da sonância:

O confronto convexo da clarividência
Com o pronto conexo da clara evidência

f) Rimas Especiais - São as combinações raríssimas, ainda que em mesmas categorias gramaticais, que se estendem e fundem pela ação conjunta de vogais e consoantes ao longo dos versos. Como os dos versos acima ou destes abaixo:

Enxergou de novo que era um tolo
De quimera e desconsolo 
Num rapaz a versejar
Onde o alegre é mais triste
Pois do negro cais partiste
Sem ter paz, sem festejar...


Efeitos Sonoros

Os Efeitos Sonoros trabalham coadjuvando as rimas. Enquanto a rima ataca pela objetividade do texto, no desenvolvimento dele alguns sons oscilam entre as nossas compreensões concreta e abstrata. São eles:

Aliteração - É a repetição de mesma consoante ao longo do verso:


     “Comer a flor e engolir….”

Assonância - É a repetição de mesma vogal ao longo do verso:


     “Mal atracada, a nau dadagrada à danada…”

Anáfora - É a repetição de vocábulos numa mesma posição em distintos versos:


Eu tento saber do destino
Eu tento saber do menino
Eu tento saber e ilumino...

d) Onomatopeia - Visa a imitar o som de algo através de vocábulos:


Bumbúm, paticundúm, prugunrundúm
Gosta de samba?
O enredo é isso aí: Búm-búm... (som de tambores)


Voltando àquela pergunta inicial:

Cadê as Rimas?

Jogada no quintal
A enxuta concha guarda o mar
No seu estoj

Numa leitura rápida do texto, e com a ideia que a Rima tem de estar
posicionada nos finais de verso, o conjunto sugere que o autor não usou o seu maior recurso poético, a Rima, para fixar a composição na percepção do ouvinte, no entanto os fãs continuaram a manter a letra na cabeça. - Por quê?

Na evolução da sua obra, a nossa limitada compreensão, tanto das 
mensagens objetivas de texto, quanto dos seus truques poéticos no
desenvolvimento delas, fê-lo conversar cada vez mais consigo mesmo, e nessas conversas interiores, que se tornam paradoxais quando não bem estudadas, muita novidade própria do autor colaborou com a Ciência Poética da MPB.

Percebam, que no primeiro verso do exemplo acima, o autor  trabalhou com só uma vogal tônica, o A, buscando uma Assonância. 

No segundo, percebe-se uma jogada conjunta de Aliteração e Assonância em “guar da-o mar”, o mesmo ocorrendo no terceiro “No seu es to jo” com um sibilar do S.

A jogada mais fina do fragmento da composição está no uso dos sons do X, do J e do S em Aliteração, pois além do X e do J resultarem em sons muito parecidos, e estarem nos três versos, possuem uma identidade na observação da Natureza:

Enquanto o X e o J lembram o som do Mar (XÁaaa, ou JÁaaa), o Ssss lembra os efeitos do Vento na areia de uma praia, quando os grãos tocam em alguma coisa mais volumosa do que eles, como uma Concha, por exemplo. Basta agora observarmos o texto, que desaparecerá qualquer Paradoxo ou Metalinguagem.

É a mesma busca da Onomatopeia do tambor Búm-búm, só que cercada por outros quadros de Inspiração,  tanto social quanto ambiental.

Constantemente lemos textos como este: “Um desenho equivale a milhares de palavras”. Se olharmos o fragmento de A Ostra E O Vento, uma série de contrastes surgirão, como a Enxuta Concha, do quintal de casa, guardando no Estojo da Memória toda a umidade que um dia teve no mar, antes de ser lançada na praia, para receber os grãos de areia impulsionados pelo Vento e resultar no som Ssssssss.

Um desenho, pode até equivaler a milhares de Palavras Escritas, mas nunca trará os sons da natureza.

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