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Jogada no quintal
A enxuta concha guarda o mar
No seu estojo
- Cadê as Rimas?
- Vai lendo que você descobre!
Para que as regras da Ciência Poética pudessem ganhar continuidade lógica, surgiu a Rima, como elemento fundamental na ligação dos
itens, tanto no aspecto da Estrofação, quanto no das Construções Poéticas de Forma Fixa,
como o Soneto Italiano, por exemplo, cujos Tercetos têm
que apresentar interligação por igual
rima, em pelo menos um verso de cada.
Em linhas gerais, Rima é a semelhança sonora entre duas
palavras, mas convém lembrar que o termo, semelhança, surgiu no conceito
recentemente, pois em origem a rima exigia Identidade de sons nas palavras, desde
as vogais tônicas.
Quando um verso não encontra parentesco sonoro com os demais
próximos recebe o nome de Verso Branco.
Os poetas também usam dele como estratégia de texto. Caso queira
negar, ou isolar uma ideia num contexto, normalmente o faz tratando de si na
primeira pessoa do singular. Vejam o exemplo na canção, Um Chorinho:
…Quem me dera
Ter um choro de-alto porte
Pra cantar co´a voz bem forte-
-E-anunciar a luz do dia
Mas quem sou eu
Pra cantar alto assim na praça
Se vem dia, dia passa-
-E-a praça fica mais vazia…
Notem que os dois únicos versos Brancos (1 e 5) são os que
se referiram mais diretamente a ele, pois os demais estão todos rimados.
Muitos poetas colocam as ideias próprias mais no
interior da Construção Poética das composições do que nas entrevistas, por exemplo.
A Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo consagrou o
surgimento de algo conhecido por Verso Livre, porém todo cheio de
proibições e dentre elas o uso da rima, sob o pretexto Dela inibir a objetividade dos textos nos versos Livres, que também “deveriam” encerrar o amplo sentido do
texto escorado apenas num equilíbrio semântico.
No fundo, o que o Modernismo de 22 propunha era um confronto
com os fundamentos do Parnasianismo Brasileiro, que o antecedera no
final do século anterior, cuja ideia de Liberdade se voltava ao Poeta Livre e
não ao verso.
O Poeta Livre poderia escolher com que tipo de versificação iria
trabalhar. Regular ou Irregular, contanto que o poema apresentasse lucidez
métrica e rítmica, obedecendo ou não aos fundamentos da Ciência Poética.
Estava mais do que clara a intenção parnasiana de se buscar
novas soluções para a própria Ciência Poética, mas os modernistas não
achavam isso. Imaginem comigo:
- Tendo no nosso
alfabeto um monte de consoantes e somente cinco vogais, indispensáveis à confecção de qualquer vocábulo do idioma, o
que seria mais limitador ao
pensamento, evitar as semelhanças sonoras ou permiti-las?
Sendo Liberdade e Regra termos antônimos, como imaginar
qualquer Lógica sensata na proposta modernista, quanto às Rimas?
Em tal semana literária se argumentou também que a rima não
pode ser tomada como fundamento poético, por ter surgido recentemente, em
meados do Trovadorismo. Esse argumento foi um mal dado "Chute de primeira".
A saber, o Trovadorismo vogou entre os séculos XII e XIII.
Então, como explicar a estes versos de Ênio, que viveu entre 239 e 169
A.C.?
Haec omnia vidi inflamari
Priamo vi vitam evitari
Iovis aram sanguine turpari
Caelum nitescere arbores frondescere
Vites laetifiese pampinis pubescere
Rami bacarum ubertate incurvescere
O romano Ênio aprendeu esse truque com os poetas árabes, que
já ensaiavam rimas desde a época em que eram simplesmente mesopotâmicos,
bem antes do Maomé com o seu moderníssimo Alcorão oitocentos anos após!
Interpretar rimas exige quatro observações fundamentais:
1 - Qualidade Sonora das Rimas:
a) Rima Consoante ou Perfeita - É a que apresenta identidade
de sons. É a rima original.
b) Rima Toante ou Imperfeita - Sons semelhantes com
identidade nas vogais tônicas.
Só quero que voltes logo
Para o nosso jogo
De samba, avenida, bloco
Carnaval e fogo
Versos 2 e 4, Rima Consoante - versos 1 e 3, Rima Toante.
2 - Timbre das Rimas:
O conceito do Timbre nas Rimas é usado também para
qualificar os versos em Agudos, Graves ou Dáctilos; quanto às tonicidades das
palavras que os findam, independente de rimarem ou não.
a) Rimas Agudas - Situadas em vocábulos oxítonos:
Eu vou até o fim
No que é meu
Para arrancar enfim
O que é seu…
b) Rimas Graves - Situadas nos vocábulos paroxítonos:
Ela vai cuidar do ne to
E eu vou fazer for tu na
Somos dois num mesmo te to
Sem que a vida enfim nos u na
c) Rimas Dáctilas ou Rimas Esdrúxulas - Presentes nos vocábulos
proparoxítonos:
Penso nelas como flores cá li das
Neles como lodo mór bi do
Elas como musas pá li das
Eles como um todo sór di do
3 - Quanto à Posição no Verso:
Rimas Internas - Presentes no mesmo verso.
a) Rima Leonina - Rima Interna que pode envolver início, centro
e fim de verso entre si. Deu origem ao Verso Leonino:
A minha paz sempre fugaz
b) Rima De Eco - Rima Interna que envolve idênticas sílabas tônicas em palavras seguidas. Deu origem ao Verso Ecoico:
Ah, se fosses como doces...
Rimas Externas - Pertencentes a versos distintos.
a) Rimas de Extremidades - Ocorrem nas pontas dos versos:
- Final de Verso: Todos os exemplos dados em Rimas
Agudas, Graves ou Dáctilas.
- Princípio de Verso:
Sonhar com a vida mais fácil
Flertar com um laço incerto...
Rimas Paralelas - A mais popular. Num grupo de quatro, rimam os finais de
versos 1 com 2 e 3 com 4:
É muita pobreza
Na sua tristeza
Que é popular
No seu próprio lar
Rimas Alternadas - Consideradas mais nobres, num mesmo grupo de 4 versos, rimam 1 com 3 e 2 com 4:
Agora ficou mais nobre
A rima do triste verso
Pois a paralela e pobre
Mudou prum lado reverso
Rimas Opostas - Consideradas "Rainhas da Colocação", num grupo de 4 versos rimam 1 com 4 e 2 com 3:
És a rainha sonora
Que embora goste da plebe
Na nobre arte concebe
O som presente no agora
Rimais Centrais - Os versos rimam pelos centros:
Sei que aqui passaram coisas imorais
Sei que aqui roubaram nossos ancestrais
Sei que aqui reinaram em frouxas capitais...
Rimas Cruzadas: Envolvem finais ou princípios de versos
rimando com com Centro ou Extremidades dos outros.
a) Rima Cruzada Simples - Final de verso anterior com centro do verso seguinte:
Eu sei que a rima está por perto
No verso incerto que me domina
b) Rima Cruzada de Eco - Final de verso anterior com início
do posterior:
Que faz a minha razão
Ação do verso insensato
4 - Quanto às Categorias Gramatical e Fônica:
Rima Pobre - Envolve palavras de mesma categoria gramatical
e que tenham sons
vulgares.
Sei que você é fingida
Se mostra compadecida
Mas logo vai festejar
Na mesa do outro bar
Rima Vulgar - Envolve palavras com categorias gramaticais
diferentes, mas que tenham sons vulgares:
Vive falando do mar
Das portas da emoção
Sem querer enfim amar
Abrindo o seu coração
Rima Boa - Envolve palavras com mesma categoria gramatical,
mas que não tenham sons vulgares:
Embora tu não partiste
Pra longe do teu detento
Meu coração como viste
Só definhou lazarento
Rima Rica - Envolve palavras com categorias gramaticais
diferentes e que não tenham sons vulgares:
Eu já fui um protestante
E um espírita depois
Mas a fé não garante
Qual foi o melhor dos dois
Rima Rara - envolve palavras que tenham sonâncias de
raríssimo uso, independente das categorias gramaticais. O quilate da rima é
proporcional à quantidade de letras idênticas que precedam à vogal tônica
da sonância:
O confronto convexo da clarividência
Com o pronto conexo da clara evidência
f) Rimas Especiais - São as combinações raríssimas, ainda
que em mesmas categorias gramaticais, que se estendem e fundem pela
ação conjunta de vogais e consoantes ao longo dos versos. Como os dos versos acima
ou destes abaixo:
Enxergou de novo que era um tolo
De quimera e desconsolo
Num rapaz a versejar
Onde o alegre é mais triste
Pois do negro cais partiste
Sem ter paz, sem festejar...
Efeitos Sonoros
Os Efeitos Sonoros trabalham coadjuvando as rimas. Enquanto
a rima ataca pela objetividade do texto, no desenvolvimento dele alguns
sons oscilam entre as nossas compreensões concreta e abstrata. São eles:
Aliteração - É a repetição de mesma consoante ao longo do
verso:
“Comer a flor e engolir….”
Assonância - É a repetição de mesma vogal ao longo do verso:
“Mal atracada, a nau dada agrada à danada…”
Anáfora - É a repetição de vocábulos numa mesma posição em
distintos versos:
Eu tento saber do destino
Eu tento saber do menino
Eu tento saber e ilumino...
d) Onomatopeia - Visa a imitar o som de algo através de
vocábulos:
Bumbúm, paticundúm, prugunrundúm
Gosta de samba?
O enredo é isso aí: Búm-búm... (som de tambores)
Gosta de samba?
O enredo é isso aí: Búm-búm... (som de tambores)
Voltando àquela pergunta inicial:
Cadê as Rimas?
Jogada no quintal
A enxuta concha guarda o mar
No seu estojo
Numa leitura rápida do texto, e com a ideia que a Rima tem
de estar
posicionada nos finais de verso, o conjunto sugere que
o autor não usou o seu maior recurso poético, a Rima, para fixar a composição
na percepção do ouvinte, no entanto os fãs continuaram a manter a letra
na cabeça. - Por quê?
Na evolução da sua obra, a nossa limitada
compreensão, tanto das
mensagens objetivas de texto, quanto dos seus truques
poéticos no
desenvolvimento delas, fê-lo conversar cada vez mais consigo
mesmo, e nessas conversas interiores, que se tornam paradoxais quando não
bem estudadas, muita novidade própria do autor colaborou com a Ciência
Poética da MPB.
Percebam, que no primeiro verso do exemplo acima, o autor trabalhou com só uma vogal tônica, o A, buscando uma Assonância.
No segundo, percebe-se uma jogada conjunta de Aliteração e Assonância em “guar da-o mar”, o mesmo ocorrendo no terceiro “No seu es to jo” com um sibilar do S.
No segundo, percebe-se uma jogada conjunta de Aliteração e Assonância em “guar da-o mar”, o mesmo ocorrendo no terceiro “No seu es to jo” com um sibilar do S.
A jogada mais fina do fragmento da composição está no uso
dos sons do X, do J e do S em Aliteração, pois além do X e do J
resultarem em sons muito parecidos, e estarem nos três versos, possuem uma identidade
na observação da Natureza:
Enquanto o X e o J lembram o som do Mar (XÁaaa, ou JÁaaa), o
Ssss lembra os efeitos do Vento na areia de uma praia, quando os grãos
tocam em alguma coisa mais volumosa do que eles, como uma Concha, por
exemplo. Basta agora observarmos o texto, que desaparecerá qualquer Paradoxo ou
Metalinguagem.
É a mesma busca da Onomatopeia do tambor Búm-búm, só
que cercada por outros quadros de Inspiração, tanto social quanto
ambiental.
Constantemente lemos textos como este: “Um desenho equivale
a milhares de palavras”. Se olharmos o fragmento de A
Ostra E O Vento, uma série de contrastes surgirão, como a Enxuta Concha, do quintal de
casa, guardando no Estojo da Memória toda a umidade que um dia teve no mar,
antes de ser lançada na praia, para receber os grãos de areia
impulsionados pelo Vento e resultar no som Ssssssss.
Um desenho, pode até equivaler a milhares de Palavras Escritas, mas nunca trará os sons da natureza.
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