terça-feira, 24 de março de 2015

As Sílabas Poéticas e a Métrica

Postagem editada originalmente em 10/03/2008.

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Ao longo dos anos, a Ciência Poética fundamentou a linha divisória entre a Poesia e a Prosa nas catorze Sílabas Poéticas, e a contagem silábica de cada verso se encerrando na última sílaba tônica.

O estudo da contagem das sílabas poéticas de um verso chamou-se de , com cada verso recebendo então os nomes de Metro, ou Pé.
Métrica.

Para estudarmos a Métrica dos versos é necessário entendermos o significado de Sílaba Poética, que nada mais é do que os sons resultantes das nossas tendências idiomáticas nas falas cotidianas. 
Numa análise poética da Métrica poética, usa-se separar as sílabas poéticas pelo sinal, / , e nos casos de fusão das sílabas gramaticais numa só poética usa-se o sinal, -, ligando-as. Esse tipo de descrição analítica recebe o nome de Escansão do Verso. Por exemplo:

Es ta va-à to a na vi da.

A gramática diria: - Possui nove sílabas!

Se prestarmos atenção na interpretação musical (A Banda-Chico Buarque), perceberemos 8 tempos, pois o pensamento foi pronunciado da seguinte maneira:

Es/ TA/ va-à/ TO/ a/ na/ VI/ da - 2-4-7


Lembro que a Escansão é o ato de Escandir o Verso. A sequência numérica, logo após o final do verso, indica ter sido ele acentuado na segunda, na quarta e na sétima sílabas. Esse tipo de registro será visto também mais adiante no elemento Ritmo Poético.

No exemplo acima, tivemos as nove sílabas conceituais da gramática dispostas em sete poéticas pela natural tendência idiomática, que costuma fundir, em única sílaba, vogais imediatas, ainda que pertencentes a palavras distintas.

Como a Poesia Latina regra que, em comprimento, o verso encerra em sua última sílaba tônica, tal verso da Banda tem sete sílabas, posto que a sílaba átona, posterior à sua última tônica, é desconsiderada na contagem.

Essas fusões silábicas, naturais do idioma, são feitas de várias formas, conhecidas pelos seguintes nomes:

a) Crase - Quando juntamos vogais idênticas: Deixei a fé em casa me-escutando.

b) Sinalefa - A primeira vogal perde a autonomia silábica anterior tornando-se semivogal num ditongo: Não come-agora.

c) Elisão - A primeira vogal perde o som para a segunda: Ela-e sua panela-esfriando.

d) Elipse - A primeira vogal perde a ressonância nasal: "com + o = c´o - co´a = com + a":

Eu c´o meu violão.
Pra cantar co´a voz do não.

e) Hiato Intervocabular - Considerado por alguns como "afrouxo de verso" e por outros como "realce de palavras": Antes que-o-ardor me tome.

f) Sinérese - Transforma ditongo em hiato num vocábulo: a li ás - a liás.
A liás, da próxima vez vote direito.

g) Diérese - O inverso da Sinérese: a güen ta - a gu en ta.
Aqui ninguém me a gu en ta mais.


h) Aférese - Supressão de som no início do vocábulo: es ta va - ´s ta va.

i) Síncope - Idem anterior no meio do vocábulo: esperava-espr´ava.

j) Apócope- Idem anterior no fim do vocábulo: mármore-mármor´.

Creio que essas dez possibilidades de confecção das sílabas poéticas já bastem à compreensão métrica da maioria das construções poéticas da MPB, todavia, todo poeta estudioso da ciência poética sempre busca nelas os seus desafios métricos no interior dos poemas.

Atrevo-me até a dizer que alguns experimentam sensações de agonia e êxtase, entre os esboços de um guardanapo e a arte final do poema pronto.

Agonia, enquanto tenta enfiar uma quantidade maior do pensamento disposto em sílabas, tendo de obedecer a um Ritmo Poético dos versos anteriores para não "Mancar o verso" (quebrar o pé), enquanto pensa nos versos posteriores que acomodarão o restante da ideia, o que poderíamos, tranquilamente, chamar de Ideografia Poética, extraída quase que instantânea, pelo curto tempo em que o Quadro Inspirador e a Tradução Ideal costumam se apresentar simultaneamente.

Êxtase, quando consegue, em um só tempo rítmico e sonoro, enfiar um monte de caracteres alfabéticos dos sons. Vejam o que ocorreu na música, Almanaque (Chico Buarque):

Diz/ quem/ é/ que/ mar/ ca/ va-o/ ti/ que/ ta/ que-e-a-am/ pu/ lhe/ ta/ do/ tem/ po/ dis/ pa/ rou.

Percebam que conseguiu pronunciar quatro sons distintos, dispersos em sete caracteres alfabéticos, num só tempo poético: "que e a am".

Agora reparem no texto desse verso, onde ele até brinca com o assunto da métrica, no tempo rítmico poético, para explicar a esquisitice da sílaba.

Brincar com as palavras nos versos das composições, e ainda desafiando a toda uma Ciência Poética, sempre foi diversão comum a certos poetas da MPB.

k- Anáclase - Ainda dizendo respeito às noções de Métrica, esse recurso consiste na construção de uma sílaba poética a partir da fusão de vogais, da sílaba final de um verso com a inicial do verso seguinte. Isso ocorre normalmente com sílabas átonas dos dois versos:

Eu/tam/ bém/fui/ um/ ro/, quei/ ro-
-À/ mar/ gem/ da/ vi/da 
An/ tes/ que-o/ sam/ ba/ che/ gas/ se-
-E a/ mas/ se-a/ fe/ ri/ da

Em Métrica, a Anáclase se presta à absorção da sílaba inicial do verso posterior, ou à captura da do verso anterior para reforçar à primeira do seguinte. No exemplo acima, ocorre a segunda possibilidade.

Vistas as originais regras poéticas da Anáclase, quanto às tonicidades das sílabas envolvidas, vejam o que Chico inventou, vinte anos após Pedro Pedreiro, na composição Pelas Tabelas:
Eu/ pen/sei/ que-e/ra/ e/la/ pu/xan/do-um/ cor/ dão-
-Dão/ oi/to/ ho/ras/ e/ dan/ço/ de/ blu/sa-a/ma/re/la 

Se não tivesse inventado essa Anáclase, com sílabas tônicas e iniciadas em consoantes, que possibilitou ao verso anterior absorver à primeira sílaba do  seguinte, teríamos uma quebra de pé, ou o chamado Verso Manco.

Teria a sorte, ou a casualidade, premiado o poeta, ou teria ele feito tudo isso propositalmente, para inovar mesmo?

Mais abaixo, na mesma composição, observem o que ocorreu:
Eu/ a/chei/ que-e/ra/ e/la/ vol/tan/do/ pra/ mim-       
-Mi nha/ ca/be/ça/ de/ noi/te/ ba/ten/do/ pa/ne/las   

O que o autor fez foi fundir sílabas pelos sons idênticos, numa espécie de Crase, só que com três letras, sendo a primeira delas uma consoante, e aproveitando parte do som pertencente à segunda sílaba do verso posterior.

Tomando como base os quatro primeiros versos da canção, Pedro Pedreiro (Chico Buarque), cito um outro recurso poético, também referente à Métrica:

l- Cavalgamento, surgido na poesia francesa com o nome Enjambement, consiste em se transferir para um verso, posterior ou anterior, parte do conteúdo sintático de outro, com a contagem silábica iniciando na parte transferida para o anterior, ou terminando na transferida para o posterior. Vejam como ficaria a contagem silábica do exemplo:

Pe/dro/ pe/drei/ro,// Pen/sei/ro-    
 1   2    3    4        //   1    2    3
-Es/pe/ran/ do-o/ trem                  
 3    4    5      6      7
Ma/nhã/ pa/re/ce,// Ca/re/ce          
  1  2     3    4     //    1   2   3
De-es/pe/rar/ tam/bém                  
   4     5    6     7      8

Percebam que o uso do Cavalgamento camuflou, pela estética, a um desequilíbrio métrico dos versos. Houve um erro conceitual de Métrica, pois, originalmente, o Enjambement já nasceu com a exigência da contagem silábica  presa ao conteúdo sintático do verso.

Historicamente, o Enjambement foi um marco para diminuir o impacto da guerra entre poetas e gramáticos nos movimentos literários, porque, com a entrada da gramática nos destinos dos versos, a Ciência Poética deixou de ser alienada e, ganhando um Corpo Literário mais organizado, se tornou historicamente definida e localizada nas datas, porém, junto com isso, ganhou muitas regras a serem cada vez mais vistas adiante.



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